O solarium exibia apenas feixes de luz e a escadaria era
longa. Tão longa que meus olhos incapacitados, lacrimejaram. De sobressalto
ouvi latidos e o bafo quente inundou minhas botas queimando-me as pernas.
Ao longe ouvi música. O som parecia de um piano magoado e
solitário, certamente dedilhados por toques femininos, já que as notas musicais
nasciam de pequenas e assustadas bailarinas.
Olhei ao redor e fatalmente descobri que estava de volta.
De volta ao encontro de um pavor que eu nem sabia de que e nem por que.
Há trinta anos a propriedade estivera aos cuidados de meu
velho pai, eremita e de barba cruel. Seus olhos continuavam expressando o
vermelho do ouro colhido em alguma gema adormecida nas florestas inglesas, quiçá
em penhascos irlandeses.
Meu pai era homem obcecado pela lua e suas crateras
gotejantes de prata, que banhavam o cenário entre meses e marés.
Riachos distantes com vozes esquecidas atormentavam seu
rosto petrificado pelo pranto esculpido em mármore na sala da morte. Das vozes
esquecidas restavam apenas duas: a minha e a de meu irmão (já dilacerado pela
boca da morte) movida por uma alcatéia sem líder.
Afastando esses pensamentos resolvi caminhar pelas alamedas
envolvidas no frasco de todas as neblinas. Porém em certo momento acendeu
fogo-fátuo à frente de meus pés. E pude ver na relva o líquido da vida
derramado. Estava brilhando ainda, então eu o provei. Era adocicado e sensual
despertando em mim a fera indomada. Meu grito ecoou através dos labirintos humano-animalescos
do pecado original.
Fome e sede invadiram meu corpo e eu corri sem saber quem
era e no ímpeto tresloucado do pavor estanquei ao ver no portal central da
mansão meu velho pai. Ele tinha os cabelos desgrenhados e a barba crescida,
branca já em quase toda sua totalidade.
Usava na ocasião uma calça cinza de um tecido grosso feito
brim caiado e as botas lhe subiam até os joelhos. Camisa e colete cobriam-lhe o
peito, protegido por um, sobretudo cor de chumbo, pesado, hostil e chicoteado
pelo tempo conferindo-lhe o aspecto de um ser recém- saído de algum espetáculo horripilante, ou de uma
cripta arrombada por garras desgovernadas.
Meus olhos esbugalhados refletiam a imagem opaca do velho
que vinha em minha direção com passos trôpegos e na boca trazia a vingança da
indignação. E mesmo assim abraçou-me!
Eu sem fôlego e de braços caídos ao lado do corpo resvalei
inquieto (talvez insano), naquele hálito ácido, carnívoro e pecador.
A noite veio e o fog cobriu meu rosto caindo em sono
profundo.
Acordei maltrapilho e a febre dominava minhas entranhas e
meu corpo hirto de lutas sangrentas transpirava horrores.
De tremor em tremor levaram-me ao velho novamente e
(supostamente), fiquei entrevado entre lençóis prateados na apavorante luz do
luar.
Então pedi a morte!
*
by Lu Cavichioli
outubro/2011
Uau, Lu! E... uau de novo! Que narrativa envolvente você construiu! Adorei a história. Caminhei com você pelas cenas, muito bem descritas, e o final... desejar a morte! Só quem a desejou pode entender. Muito bom!
ResponderExcluirAna, esse conto é doidão rsrs... Ele veio vindo e fui vendo as imagens antes de escrever... Nossa, foi uma loucura, amiga!
ExcluirMas... Ahhh, fico contente com tua leitura, porque você é fera na prosa, ah, como se não fosse na poesia também... Meus sais! rs
Obrigada por compartilhar a Lua de Outono.
bacios cara mia!!
Nossa, Lu, você me fez entrar em mundo desconhecido, onde a mente humana trabalha o medo e dele não se liberta. Gosto muito de seus contos. Bjs.
ResponderExcluirMari, esse conto dá arrepios até em mim que o escrevi...
Excluirafff
bacios bella