Era o último dia do ano e as músicas
napolitanas cantavam em fitas K-7 em meu gravador AIWA.
Vozes masculinas comentavam sobre a corrida de São Silvestre, um
privilégio dos homens ( ainda - tão somente).
Os engradados de cerveja eram retirados do carro e as garrafas
(bem lavadas), coisa da minha mãe, claro, tomavam acento na geladeira.
Eu e o Afonso, meu primo
mais velho, ríamos de nossas brincadeiras infantilizadas em nossa juventude
bendita e santa. Brincadeiras estas que felizes, repousam no convés do passado
em marés distantes. Ah, quanta saudade!
Minha avó e minha mãe compunham um dueto a quatro mãos na
confecção dos quitutes que fartariam nossa mesa no réveillon de um ano velho que insistia em ficar idoso,
mesmo antes de nascer. (coisa esquisita isso , não?)
Logo mais chegariam minhas tias e a “primaiada” ficaria
completa.
Meu pai quebrava nozes em nosso bale particular e meu avô
ajudava no esvaziar das garrafas de cerveja. Meu tio mais novo chegava
(esbaforido), carregando o moisés com a mais nova integrante da família, a
prima Claudinha.
Eu, um tanto ansiosa , em meus 22 anos, espiava de quando em vez
ali pela janela da sala, pra ver se meu namorado apontava lá na esquina.
As iguarias iam sendo enfileiradas na mesa e no balcão da
cozinha.
Se eu quisesse agora, poderia ouvir e ver ,(como ouço e vejo),
as vozes, os sorrisos, os abraços, a felicidade, o amigo secreto com mico e
tudo se alguém errasse ... E de fundo o assobio do meu velho avô e suas
cançonetas napolitanas...
A torta de salame e queijo branco (tradição da família) saía do
forno, garbosa, exibindo aquele aroma italiano do orégano.
O tender e os frangos de leite que só minha avó sabia temperar,
coser e decorar eram colocados em bandejas no centro da mesa e tudo ia sendo
rabiscado com o giz do amor e da união. Tudo isso se aglomerava às sobremesas
inesquecíveis da tia Isaura e as decorações surreais da tia Lia.
Os gritos dos primos mais novos que corriam na folia da infância
juntavam-se com as gargalhadas dos adolescentes e como em uma moldura ficavam
estampadas nas paredes da casa de
pastilhas verdes que tudo viam e registravam.
Nós nem nos importávamos com o tempo, esse vilão ladrão de
idades ,que nos assaltaria em silêncio juntamente com o destino pregando-nos
peças sem pedir licença ano após ano. Desenhando traços em nossos rostos,
colorindo de paz alguns fios de cabelo, desabrochando rosas e murchando tantas
outras.
Com esse tal de tempo a modernidade cresceu tornando-se uma moça
soberba e lúdica, de olhar horizontal e
mãos carpideiras. Suas ideias foram tomando conta do tempo e, das “velharias”
fez retalhos, que guardou em algum cofre sepultado pelo chumbo ardiloso do
esquecimento.
Essa moça, ( a tal Modernidade), trouxe com ela um filho chamado
Progresso que teve uma filha chamada Tecnologia. E essa “família” furtou de
certa maneira os valores outrora ensinados. Devo me lastimar? Acho que não,
porque assim caminha a humanidade disse
alguém em algum dia, a passos de formiga e sem vontade(...)
Adeus ao admirável mundo novo...
By Lu C.
Em tempos outros
Oi Lu! que coisa mais linda! maravilha mesmo!
ResponderExcluirPosso partilhar no E-Library?
Abração
Jan
Claro Jan, manda bala!!
ExcluirObrigada
bjs
Olá, querida Lu
ResponderExcluirLendo o seu post me recordei da tal inversão de valores...
Bjm de paz e bem