Todos os Direitos Resevados à Lu Cavichioli

Creative Commons License Todos os trabalhos aqui expostos são de autoria única e exclusiva de Lu Cavichioli e estão licenciadas por Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 3.0 Unported License. Não comercialize os trabalhos e nem modifique os conteúdos Se quiser reproduzir coloque os devidos créditos

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Razões do Coração - Cenas III e IV


A semana transcorreu dentro da normalidade de qualquer família que trabalha e cumpre com seus deveres esperando que seus direitos lhes sejam conferidos.
Finalmente no sábado iriam ao orfanato buscar uma companhia para Alice nas celebrações natalinas com direito a passar também o reveillon com a  família




Eram três da manhã quando Rose acordou ofegante com o mesmo sonho que já a atormentava fazia algum tempo. Então pé ante pé desceu as escadas e foi preparar um chá.
Sentada e com um dos cotovelos sobre a mesa, ela apoiava a cabeça ao mesmo tempo em que olhava para o relógio, e seus olhos pesados traziam à tona flashes do sonho.  Nessas imagens ela corria por um campo de trigo atrás de uma menina que teria mais ou menos uns 2 anos. A pequena corria feliz segurando uma palma branca na mão e de vez em quando olhava para trás dizendo :

 _Vem depressa, senão você não conseguirá me alcançar.

Rose piscava e fechava os olhos a fim de lembrar-se do rosto da garotinha, mas era inútil. Parecia que ela não tinha rosto, assim era sua impressão.


Quanto mais ela corria mais a menina se afastava,até o trigal ficar nevoento e nele fazer desaparecer a figura meiga que ela tanto perseguia. E sempre acordava nesse momento. Isso a estava consumindo, e tanto, que ela precisava dividir com alguém.

  Parecia que o chá estava fazendo algum efeito, ou seria o cansaço que estava a lhe vencer?

Rose levantou-se e foi pra sala, onde a luz de um abajur lilás configurava um céu astral no ambiente. Sentou no sofá e lá encontrou a manta do pai cobrindo-se... Enquanto o sono lhe abraçava.

O sol naquele dia permitiu-se nascer às 05h:45min e seu Carmo já estava de pé. Abriu as cortinas, arejou o quarto aproveitando para admirar o jardim, a rua ainda adormecida, as árvores parindo seus pássaros e  logo pensou que naquele sábado iria enfeitar a árvore com Alice. Subiria ao sótão  para fuçar nas caixas, pegar as bolas coloridas e os enfeites novos que Marcos comprara. Estava mais do que na hora de arrumar o pinheiro, aliás, atrasados demais para o gosto dele. Mas antes sentou-se na cama, em frente à janela, lembrando-se de como Rose gostava de pendurar os enfeites e as frágeis bolas feitas de vidro pintadas à mão. Naquela época sua garotinha tinha seus 5 anos de idade  acreditava  piamente na existência do bom velhinho fazendo seus pedidos por cartinhas que eram “supostamente” enviadas ao Polo Norte, e de quanto eles se divertiam escrevendo-as.

 Rose era irreverente, curiosa e muito inteligente e como toda criança cheia de perguntas, muitas das vezes tão pitorescas que era quase impossível de responder. 

Lembrou-se também da primeira vez em que ele e sua esposa trouxeram a primeira órfã para passar o natal com eles. Era uma garotinha graciosa, sardenta e de cabelos ruivos e escorridos. Tinha um sorriso inexplicável no rosto e distribuía abraços e afagos a todos que encontrava, mesmo que nunca os tivesse visto. Naquela manhã chegaram com Emma em casa e lhe apresentaram Rose que na mesma hora fez uma careta de desapontamento e ciúme.

Emma a abraçou dizendo que seriam amigas e que o Papai Noel viria porque elas tinham sido boas meninas durante o ano e mereciam ganhar recompensas. Rose mostrava a língua e virava as costas para a pobre que chorava em segredo. E foram-se lá três ou quatro anos de busca para o encontro entre as meninas e Rose. Pena que em todas as vezes ela emburrava .

Perdido em suas lembranças seu Carmo nem percebeu as horas e quando deu por si eram 07h:15min e seu estomago roncava feito locomotiva enferrujada.

Colocou seu robe saindo no corredor sabendo que a família dormia tranquila (ainda). Desceu as escadas com o intuito de ir preparando o desjejum quando viu a filha dormindo no sofá. De pronto estancou seus passos na escada. Coçou o queixo desenhando no ar uma expressão aturdida e perdida nas horas em que ficara sentado em sua cama vagueando enquanto sua filha dormira no sofá... Estranha sensação aquela - o que teria acontecido?

Aproximou-se do sofá, ficou a admirá-la e ali sentiu o quanto a amava. Sim, amava mais que a própria vida e percebeu em seu rosto sereno o quanto era linda. Seus cabelos, de um louro acinzentado caíam em cachos pela almofada, e ainda conservava a forma antiga de dormir - com os braços enlaçados em si mesmos e uma parte do rosto aconchegada no seio da almofada. A boca delicada e rosada lembrava a mãe...

Seu Carmo ficou ali por alguns segundos, talvez o bastante para que o filme de sua vida lhe contasse que estava no fim dela e que poderia partir a qualquer momento. No entanto iria feliz pela missão cumprida e por saber que tinha entregado sua filhota a um homem íntegro e de caráter irrevogável.

Sua costumeira pigarra matinal lhe denunciou, acordando Rose, que abriu os olhos sem atinar onde estava. Mas logo seus reflexos lhes fizeram levantar, esfregando os olhos e bocejando, vendo a figura de seu velho bem ali, plantado na beira do sofá.
-Hã... Oi pai... Espreguiçando-se
-Filha, você passou a noite aqui?
... É... Que... Ai papai foi sim. Estava sem sono, vim tomar um chá e acabei me encostando aqui e... Ah, foi isso, nada demais, nem se preocupe.

Num sobressalto exclamou alto:
_NOSSA, QUE HORAS SÃO? Ficamos de ir ao orfanato... Ai que cabeça a minha...
Seu Carmo riu-se  ajudando-a a levantar.
-Pois é filhota... Mas fique calma, ainda é cedo e eu já telefonei ontem para o orfanato avisando de nossa ida.
-Ahh, menos mal. Bem, já que acordei de um sonho bom, vou continuar nele e tomar café com o velhinho mais adorável do mundo.



 CENA IV

O Orfanato ficava em local afastado da cidade e sua arquitetura imponente e lindamente antiga fazia parecer uma estampa vintage.

Na última curva da Estrada dos Pêssegos, Seu Carmo sorria e em seu contentamento dizia:



_Ah, olhe filhota, o prédio foi conservado, só mudaram a cor. Está muito mais alegre do que há 30 anos, você lembra como era?

-Não muito pai. Lembro-me da fachada acinzentada e dos lampiões plantados logo na entrada, do jardim...  Mais ou menos. Acho que tinha um roseiral enorme, com alamedas de cerâmica, sabe aquelas de caquinhos mesclados - correto?

-Isso mesmo, balançando positivamente a cabeça e esticando um sorriso franco.

Chegando ao portão principal perceberam que havia no local uma guarita com seguranças e precisavam se identificar para terem acesso. Feito isto, o vasto portão rosado abriu-se duplamente para os lados e seus arabescos encantaram Rose que ficou admirando e tanto, que precisou olhar para trás vendo-o fechar-se lentamente.


Entraram por um caminho ladeado por jardineiras múltiplas com uma variedade quase infinita de flores. Rose ia observando encantada o lado direito da paisagem que exibia um pequeno bosque com ciprestes, numa grande variedade e algumas coníferas já exibiam seus frutos  e nos espaços entre elas haviam alguns arbustos floridos com lavandas e mini -rosas.



 Já do outro lado havia  um gramado onde a clorofila era sua rainha , permitindo às  borboletas  brincarem  com abelhas e beija-flores  sobre um canteiro de margaridas e sempre-vivas. Ao longe deste mesmo lado, havia um conjunto de casinhas que lembravam um acampamento de férias.

O caminho até a entrada era um tanto longo e pai e filha iam felizes e encantados até estacionarem o veículo nas vagas em frente a uma escadaria larga com piso de granito mesclado entre o branco e o bege.

Ao descerem do carro avistaram no alto da escada uma mulher de aparência jovem, metida em um terninho azul marinho com risca de giz e uma camisa de seda branca com detalhe num delicado laçarote no pecoço. Trazia nos cabelos ruivos uma tiara da mesma cor do terninho.

Seu Carmo, apesar da idade, subia as escadas como se fosse um menino indo em busca de doces. Rose o segurava pedindo calma, e com certeza sua costumeira ansiedade já aflorava e sua pressão arterial fervilhava.

Bufando e com o rosto afogueado seu Carmo cumprimentou a moça:

_Bom dia, moça - qual sua graça?

_Bom dia, senhor - meu nome é Suzel - e dizendo isso estendia a mão para Rose fechando as apresentações.

-Estava a espera de vocês. Falei com o senhor ontem, pois não?

-Sim, sim. Viemos buscar uma garota.

Os olhos de seu Carmo brilhavam e Rose pode ver estrelas neles.

O vozerio das crianças enchia o corredor e Rose viu-se menina dando a mão para sua mãe. Rapidamente olhou  o piso e entrementes pensou: “o mesmo piso...” Olhou em volta recordando as paredes, as tapeçarias o corrimão, tudo igualzinho e muito bem conservado.

Suzel levou-os até seu escritório onde poderiam conversar com mais calma. Porém seu Carmo não conteve a curiosidade e perguntou:

-Com licença moça, você por acaso é parente da Sra. Dis’téfano?

-Com um sorriso encantador e cheio de saudade a garota respondeu:

_Sim, ela era minha avó.

_Era?

-Infelizmente. Ela faleceu há um ano, senhor.

As estrelas nos olhos de seu Carmo emudeceram de brilhar. Quebrando o gelo Rose perguntou pela menina que iriam levar, demonstrando desejo de conhecer as dependências do orfanato.

A caminho do refeitório passavam pela varanda gigantesca protegida por muros vazados permitindo ver (ainda) uma fatia do jardim.

Rose caminhava lenta e ao mesmo tempo olhava para o bosque de ciprestes quando parou soltando um “OOOH” acústico assustando seu Carmo e freando Suzel num sobressalto.

-Olhem, olhem... Rápido! Quem é a menina que corre entre o arvoredo?

Suzel mirou seus olhinhos frenéticos e nada viu. - Você viu, pai... Uma garotinha correndo com vestidinho amarelo e cachos voando ao vento.

Seu Carmo segurou forte no braço da filha puxando-a pra perto dele. - Rose! Rose! Que menina??? Não há ninguém ali.

-É bem verdade, senhor - exclamou Suzel- nossas crianças não ficam soltas no bosque sem companhia.

Rose sentiu uma tontura e teve que ser amparada por eles. Fizeram-na sentar em um banco ali mesmo na varanda... Enquanto ela insistia ter visto a menina passou a mão pela franja e seu rosto estava transformado numa expressão de pavor e amor.

Como poderia tal mistura dentro de um coração?



(...) continua




6 comentários:

  1. Oi, Lu.Um lindo rumo está tomando a sua história.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ai Ana, a coisa tá ficando gigantesca dentro da minha cabeça. Preciso me conter e organizar melhor as idéias.

      Obrigada por acompanhar.
      bacios

      Excluir
  2. Estou amando, Lu. Não posso prever o caminho que dará ao conto, mas há algo nele muito especial, inexplicável. Bjs.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, Mari, há nele algo BEM especial. Só espero conseguir passar isso para o leitor! Afff

      obrigada por vir!
      bacios

      Excluir
  3. NOSSA, SUA MALUCA MAIS AMADA DA BLOGOSFERA, ADOROOO TUDO O QUE TEM NESTE CONTO. SERÁ O FANTASMA DE EMMA QUE ELA SONHA E VIU CORRENDO NO BOSQUE? NOSSA SURREAL, ADORO LU.

    ESTA MAGNIFICO, QUASE MORRO,QUANDO VEJO A PALVRINHA. CONTINUA....

    DA UMA VONTADE DE PROCURAR A CONTINUAÇÃO, E DESESPERADOR, MAS PROMETO ME SEGURAR. RSRSRS.

    TO AMANDO.
    BJS!

    PATTY.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. kkkkkkkkkkkkkk Eu morro de rir com você, Patty! O teu desespero pra ler a continuação ahauhauhuahuha - eu nunca vi nada igual.

      Será o fantasma ou somente a imaginação de Rose?
      tchan tchan tchan

      adorei tua presença

      bacios

      Excluir

Bem vindo ao Escritos na Memória

Deixe seu comentário, eu gostaria imensamente saber tua opinião

Obrigada