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AS TRÊS MARIAS E MAIS UMA DE LAMBUJA

A Série Três Marias tem seus direitos autorais assegurado - by Lu Cavichioli



MARIA PÃO DE AÇÚCAR



Esta Maria de doce não tem nada, só o nome mesmo. Devo confessar que quando a conheci, sentamos juntas em um desses butecos espalhados pela orla marítima e ali ficamos a desfiar nossa meada procurando pelo fio da mesma.

Ela pediu um chopp claro.
Eu, uma água de côco.

Tecemos então colcha de retalhos, porém faltou-me alinhavo suficiente para que a peça ficasse de bom tamanho e apresentável. Foi aí que olhei de lado e vi que tinha perdido minha caixa de costura e precisei desculpar-me por tamanha falta de senso.

Ela olhou-me de soslaio.
Eu a encarei!

Depois desse enlace entre/olhos, me vesti de colombina e fui ao Morro de São Cristóvão compor um samba com Dom Curió.

A moça desmanchou-se em açúcares.
Eu, sambei a noite inteira.

Noutro dia eu soube que ela tinha usado a roca de fiar, justamente pra ver se conseguia a colcha terminar. Contudo, a pobre colcha tinha ficado órfã de açúcar e côco...
Depois dessa decepção, Maria Pão de Açúcar sumiu de circulação, mostrando sua doçura indômita de quando em vez e somente a quem ela escolhesse... Esperta, a moça!
Eu faria o mesmo se alguém me deixasse plantada, criando raízes expostas à pegadas desumanas.

Maria aboletou-se em casa de campo.
Eu, soltei as feras.

Passado alguns anos Maria Açucarada semeou olhares perpendiculares em seus campos de estrelas, colhendo sorrisos e abraços que ela enrolava dentro de um envelope bordado por Iemanjá. Depois fazia dele um aviãozinho de papel e pedia permissão à torre para levantar voo, indo talvez coser universos internos.

Maria Pão de Açúcar, virou pó de estrelas
Eu, comprei um pilão e fui amassar poesia




MARIA IDEAL




As Marias eram apenas três menininhas comportadas que estrelavam telas de cinema em sépia, totalmente descoloridas, porém em cada interior conservavam as cores que adoçaram a boca do sabiá carcará, aquele que pega mas não mata e nem come, apenas adula.

As Mariazinhas viviam sua vidinha costumeira e um tanto tediosa, e no entanto eram cantadoras de cantigas de roda e brincavam de amarelinha quando se encontravam num arrastapé local em algum lugar do planeta.

Um dia me contaram sobre Maria Ideal, mocinha comportada, educada e letrada. Nasceu pronta a moçoila, com perninhas bronzeadas e sorriso Colgate.

Em suas lembranças dançavam alguns retratos antigos como um balaio onde ela repousava (ainda), seu espírito de criança em tardes alaranjadas colhendo fruta no pé.

Soube que ela viajou léguas, mudou de endereço e virou deusa de rara beleza, estraçalhando corações.
Contudo, ela gostava mesmo era de tecer teias férteis e decorativas que transformava em mandalas mágicas e seus poderes eram parecidos com os da Família Maia, aqueles findadores de mundos.

Maria Ideal conjugava verbos e adagas amalgamando álbuns fotográficos, mesmo porque sua figura lembrava Danae a deusa da fonte que dava de beber aos pobres de espírito.

Contam também que possuía , Maria Ideal, uma voz maviosa, macia e totalmente clean e sem pigarrear uma só vez, declamava sons alusivos de poetas arcaicos, prosaicos e maduros na estatura do ser.
Ela morava num castelo fincado no horizonte, e de lá espiava o mundo.

Aguardem as outras Marias, ou em edição extraordinária mais um tiquinho da vida de Maria Ideal.






 MARIA TAPIOCA




Em uma noite dessas em que a lua fulgura fagulhas imantadas eu pensei ter sonhado com uma menina ranheta, invocada e quem sabe... Desconfiada. Mas na verdade não era sonho não, gente... Era ela mesmo em carne e osso batendo em minha porta de madrugada, dependurada num Jeep amarelo ocre.

Corri esbaforida para ver de quem se tratava. Abri a porteira e lá estava, plantada em meu alpendre, uma figura atarracada, de pernas curtas e cabelos trançados. Falava baixo com voz de anjo, mas no rosto trazia fogo nas bochechas. Vociferava palavras confusas e escrevia sem parar em uma caderneta metalizada.

Eu a cumprimemtei e ela assentiu com a cabeça esboçando sorriso amarelo. Daí já meio irritada indaguei:

_Quem é você e o que faz na porta de minha casa a estas horas da madrugada?
Ela retrucou:

_ora ora... eu sou um jamelão num tá vendo?

Mal educada a moçoila?

Retorcendo a boca e revirando os olhos, fiz cara de bugre e perguntei se ela queria apear e passar a noite ali , explicando o motivo de sua aparição.

Ela saiu do jeep e foi entrando como se a casa fosse dela e ela conhecesse cada canto. UM ESPANTO!

Entrou e foi logo em direção a um quadro que eu tinha na parede. A paisagem exibia uma pintura morta entre frutas e jarros de barro. Ela olhou, tocou , dizendo:

Raios me partam, o que leva uma pessoa a ter um quadro desses na parede? Peras e maçãs sobrepostas ao lado de jarros velhos e uma toalha manchada? Porque não colocaram aí um vaso de samambaias com lagartas mascando chicletinho verde e sambando desengonçada em suas mil perninhas? Bahhhh - porcaria!

Eu já irritada, dei um prestenção na pirralha:

-Ei, você tá muito abusada pra quem apeou de um Jeep tipo lataria velha e decaída, no meio da madrugada, interrompendo meu sono perfeito de amores nessa inquietação de mal-humor, sua... Sua... coisinha triste!?

Ela baixou os olhos conservando a carranca dizendo:
Se preferir posso sair e dormir no Jeep, nem to aí pra você! Só não mexa em meus escritos meio egípcios colados na caderneta de epopéias, "tendeu"!!?

Eu já estourando em chuvas e trovoadas, empurrei-a porta afora, jogando-lhe um cobertor e uma mamadeira contendo leite com Nescau. Não esquecendo, da caderneta das importâncias e... Pensando com meus botões: "que tanto ela quer proteger dentro desse emaranhado de papéis contorcidos e quem sabe composto de letras crônicas"?

Voltei para minha cama deixando o abajur aceso, refletindo visões em 3D.




MARIA BONITA




Mariazinha das Bonita, como era chamada pelos cabras da vila me apareceu primeiramente em sonho, depois em visão tipo assombração e por último chegou de mala e cuia colando em minha cachola.
Eu não tinha nenhuma experiência com esse tipo de personalidade, mas gostei da bichinha. E aos poucos fomos criando amizades.

Um dia ela me convidou para tomar um licor de pitomba e eu fiquei assim tão cabrera com essa fruta que fui pesquisar primeiro, pra depois aceitar a bebida. Talvez , mania de caipira, de bicho do mato, sei la o quê. Mas foi o que eu fiz!

Fiquei sabendo que essa fruta aparece desde a região amazônica, passando pela mata atlântica, nordeste do Brasil até o Rio de Janeiro. CARAMBA?! Santa ignorância a minha, mas eu pouco liguei pra isso. Só sei que ela tem dois caroços recobertos por uma camada fina, porém suculenta e tem mágica mistura do adocicado com o cítrico.

Depois dessa maratona em pesquisas, decidi aceitar o convite da Bonita e lá resolvi ficar mais tempo em suas terras.

Curiosamente descobri que essa Maria Bonita era modelo e confeccionava seus próprios vestidos. Fiquei estarrecida com tanto tecido, estampas e modelitos que a moça tinha.
Era vaidosa a moleca!

Gostava de usar colares e brincos de penachos e tinha a preocupação sempre de combinar as peças para que tudo ficasse em harmonia, embora eu achasse um tanto de exageros ali.

A moça em questão tinha cabelos aloirados, e já que tudo era maria, ela usava maria chiquinha naquele dia. Fazia questão de mostrar sua pele sempre muito bem hidratada e bronzeada, unhas feitas e maquiagem exacerbada.

Uma tarde dessas em que o sol fica eterno sobre a Terra, nos encontramos em um quiosque a beira mar para uma conversinha amistosa e fraterna.
Pedimos água de côco, depois batidas tropicais com frutas, leite condensado e um pouquinho de vodca e MUITO gelo pra refrescar.

Em meio à nossa conversa, Bonita começou a declamar versos sobre o mar. Fiquei a ouvir sua voz naquele sotaque cantador e lhe perguntei: -"Maria, de quem são esses versos?"
Ela prontamente e demonstrando um pouco de orgulho disse: " São meus"!
OH, exclamei! Tu és poeta?
_" Sou, nasci assim, em vez de chorar, declamei um poema!"

Eu quase caí da banqueta... Seria essa Maria uma lenda?
Folclórica eu já tinha visto que era, justamente pela maneira de se vestir, e os adereços que vinham em seguida.

"Mas que boa notícia, moça Bonita (...) Tu és uma artista porque além de criar vestimentas coloridas e esvoaçantes para alegrar a toda gente, ainda cria versos!?

Eu estava perplexa diante de tal figura ilustre.

Ela assentia positivamente com a cabeça e ria a toa mostrando a dentadura (que ainda eram dentes permanentes) - pelo menos parecia assim. E olhando atentamente pra mim dizia:

_" Mas não se espante e nem se surpreenda eu escrevo sobre tudo que observo. Tudo que está à minha volta é um pulo pra poesia acontecer. Estou pensando até em escrever um romance regional a lá Guimarães Rosa...
Agora eu caí literalmente da banqueta!!

"_Ahhhhhh" - ela gritou : "Não se aveche moça, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. E gargalhava...")

Aquilo tudo estava demais pra mim. Realmente nunca tinha visto criatura semelhante...

Maria Bonita era muito gentil então convidou-me a pousar em sua casa. Aceitei de primeira!

Quando chegamos eu vi uma casa térrea toda ajardinada e um lindo roseiral alaranjado onde cantavam curiós e pintassilgos.
Logo que adrentei, vi uma sala ampla com muitos quadros quase que preenchendo todo o ambiente.
Quando cheguei mas perto vi que a galeria era composta por uma espécie de vitral fotográfico onde a natureza figurava com ela - A MARIA BONITA!

Em todos os quadros ela estava presente... e curiosamente perguntei:
"_ Maria, porque você está em todos os quadros?"

Ela sem cerimônia, respondeu:
"_ É que eu me amo"!



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