Minha imagem afastava-se da realidade sob a
fresta azul marinho de um olhar. O meu olhar! E todos os elementos se
cristalizavam na pedra da ilusão enquanto eu me perguntava se a vida valia a
pena.
(...) Certamente, respondeu meu alter-ego.
Olhei em redor e vi que o vento fazia festa
em meus cabelos, que leves, dançavam na maresia de uma viagem sem regresso.
Quanto mais eu me distanciava do real (que
era subjetivo), ia matando minha figura patética, outrora viva, para renascer
(quem sabe), sereia em águas outras.
Depois de um sono agradável, tomei um banho e
me vesti de festa para estrear minha primeira noite a bordo. Usava neste
momento uma peruca ruiva do tipo chanel , talvez um mecanismo de defesa contra
egos estúpidos.
Metida em um vestido preto liberto de
repressões antigas eu desfilava minhas pernas e músculos de manequim, que respiravam
embriagados, o marítimo aroma noturno. Estava eu diante da face negra do mar,
um mar aberto, abraçado apenas pelo céu que trazia um pendente prateado (quase
neon), iluminando rastros selenitas.
Será que alguém poderia me enxergar, ali
parada no deck superior, debruçada no anteparo aventureiro de um navio apinhado
de almas?
- Quem sabe, resmunguei...
Oxalá eu fosse Bilac somente por alguns
instantes e ali perguntar se realmente ouvi estrelas. Mas preferi ser mares
hasteando Bandeira, deixando-me levar por “quintanares”, onde a alma é essa
coisa que nos pergunta se a alma existe.
Dei meia volta acenando um talvez pra mim
mesmo, indo embriagar-me de humanidades. Posto que (ainda) era pele, sal,
sorriso e afeto.
by Lu Cavichioli
maio/2012