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terça-feira, 3 de maio de 2011

Lua de Outono - a contemplação



O solarium exibia apenas feixes de luz e a escadaria era longa. Tão longa que meus olhos incapacitados, lacrimejaram. De sobressalto ouvi latidos e o bafo quente inundou minhas botas queimando-me as pernas.
Ao longe ouvi música. O som parecia de um piano magoado e solitário, certamente dedilhados por toques femininos, já que as notas musicais nasciam de pequenas e assustadas bailarinas.

Olhei ao redor e fatalmente descobri que estava de volta. De volta ao encontro de um pavor que eu nem sabia de que e nem por que.
Há trinta anos a propriedade estivera aos cuidados de meu velho pai, eremita e de barba cruel. Seus olhos continuavam expressando o vermelho do ouro colhido em alguma gema adormecida nas florestas inglesas, quiçá em penhascos irlandeses.
Meu pai era homem obcecado pela lua e suas crateras gotejantes de prata, que banhavam o cenário entre meses e marés.

Riachos distantes com vozes esquecidas atormentavam seu rosto petrificado pelo pranto esculpido em mármore na sala da morte. Das vozes esquecidas restavam apenas duas: a minha e a de meu irmão (já dilacerado pela boca da morte) movida por uma alcatéia sem líder.

Afastando esses pensamentos resolvi caminhar pelas alamedas envolvidas no frasco de todas as neblinas. Porém em certo momento acendeu fogo-fátuo à frente de meus pés. E pude ver na relva o líquido da vida derramado. Estava brilhando ainda, então eu o provei. Era adocicado e sensual despertando em mim a fera indomada. Meu grito ecoou através dos labirintos humano-animalescos do pecado original.
Fome e sede invadiram meu corpo e eu corri sem saber quem era e no ímpeto tresloucado do pavor estanquei ao ver no portal central da mansão meu velho pai. Ele tinha os cabelos desgrenhados e a barba crescida, branca já em quase toda sua totalidade.

Usava na ocasião uma calça cinza de um tecido grosso feito brim caiado e as botas lhe subiam até os joelhos. Camisa e colete cobriam-lhe o peito, protegido por um, sobretudo cor de chumbo, pesado, hostil e chicoteado pelo tempo conferindo-lhe o aspecto de um ser recém saído de algum espetáculo horripilante, ou de uma cripta arrombada por garras desgovernadas.

Meus olhos esbugalhados refletiam a imagem opaca do velho que vinha em minha direção com passos trôpegos e na boca trazia a vingança da indignação. E mesmo assim abraçou-me!
Eu sem fôlego e de braços caídos ao lado do corpo resvalei inquieto (talvez insano), naquele hálito ácido, carnívoro e pecador.

A noite veio e o fog cobriu meu rosto caindo em sono profundo.
Acordei maltrapilho e a febre dominava minhas entranhas e meu corpo hirto de lutas sangrentas transpirava horrores.

De tremor em tremor levaram-me ao velho novamente e (supostamente), fiquei entrevado sob lençóis prateados na apavorante luz do luar.
Então pedi a morte!

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*trecho alucinate que mostra uma faceta meio inconseqüente da escritora que assina:

um texto Lu Cavichioli

6 comentários:

  1. - Quando as palavras são usadas como indutoras de emoções, mais que idéias ou sentimentos, o resultado são textos obscuros e instigantes. É preciso lê-lo e relê-lo. A cada leitura mudam as emoções que cada trecho desperta.
    - Abraços, Lu.

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  2. Oi RR, quando se trata de obscuridades e assuntos sombrios, que instigam como vc bem observou, Moira entra em ação e a Lu fica espiando, escondidinha na esquina das advinhações. Porque um texto desses não é mesmo a minha praia.rs

    Bjs meu querido amigo e obrigada sempre por sua presença, carinho e observações pertinentes.

    Moira manda abraços!

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  3. Isto sim é causar perplexidade, minha cara! Concordo com o bruxo, isso é coisa pra se lê e reler mil vezes, absorvendo a cada leitura um bocado dessa intensidade toda.

    Arrepiadinha.

    Beijos, moça romancista.

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  4. Pois é Mi, essa prosa veio assim, como quem não promete muito. Porém, crescia a cada parágrafo e parecia que nunca ia acabar... Ufa!

    As imagens iam aparecendo e eu (credo), parecia estar vivendo o que escrevia.
    Intenso sentimento este! Doideira. E ainda por cima uma escrita na pele de alguma moira torta, dependurada em árvores. kkkkkkk

    bjs querida e obrigada pela leitura.

    Lu

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  5. Um texto de arrepiar, sem dúvida!
    Mas, o que me deixou mesmo ligado foi ouvir, depois de tantos anos, LE CIEL DE PARIS.
    E, ao que parece, no acordeon de Maurice Larcange!
    Abraços, Lu!

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  6. Oi Leonel, prazer tê-lo no Escritos, viu?!

    Pelo visto vc gosta de música francesa, pois não? rs e o melhor, foi vc ter me dito o nome da musica. Ai que eu adorei demais da conta!

    Obrigada pela leitura!
    abração

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